Entrevista com Edgard Castro

Produtor de cinema é o homenageado do Festival de Cinema de Ribeirão preto

Não dá para falar de cinema em Ribeirão Preto sem mencionar Edgard Castro. A história da sétima arte na cidade está intimamente ligada à trajetória desse produtor de filmes de grande repercussão, como "A Carne", "Bacalhau", o premiado "Paranoia", "O Cortiço" e "Tempo de resistência".

Nascido e criado em Ribeirão Preto, Edgard conquistou o mundo do cinema nos anos 70 e, mais tarde, retornou à sua cidade natal com o desejo de semear sua paixão pela sétima arte.

Em 2001, ele fundou o Núcleo de Cinema, uma ONG que impulsionou a criação de um polo cinematográfico e audiovisual no interior do Estado. Foi também o responsável por articular a parceria entre a São Paulo Film Commission e a Cervejaria Heineken do Brasil S.A., que resultou na criação dos Estúdios Kaiser de Cinema, onde diversos filmes foram produzidos.

Em reconhecimento ao seu papel fundamental no desenvolvimento do cinema na região, Edgard é o homenageado do primeiro Festival Internacional de Cinema de Ribeirão Preto.

Na entrevista a seguir, ele compartilha momentos marcantes de  sua trajetória, suas inspirações e os desafios de fazer cinema nos dias atuais.

FIC-RP: Você mencionou o trabalho com a Film Commission. Como esse projeto se conecta com o desenvolvimento da indústria cinematográfica local?

 

Edgard Castro: Atualmente desenvolvemos um projeto em parceria com o Sebrae, que após a escuta nos 34 municípios da região, resultou no documentário "Ligados pela História", o que nos ajudou a criar um banco de imagens e promover a região como celeiro de locações cinematográficas. A ideia é dar visibilidade ao interior e servir de ponte para produtoras.

 

FIC-RP: Quais os atrativos da região como locação para filmagens?

 

Edgard Castro: A nossa região é repleta de cavernas, cachoeiras, rios, barcos, fazendas históricas, um celeiro enorme. Fora isso, é uma localização estratégica em relação ao eixo Rio- São Paulo- Brasília.  Além de ter uma das maiores taxas de luminosidade da cidade do Estado, lembrando que cinema é fotografia, fotografia é luz e luz é sol. Tudo aqui respira cinema.

 

FIC-RP: Edgard, o cinema no Brasil passou por muitas transformações ao longo dos anos. Como você vê essa evolução, especialmente em termos regionais?

Edgard Castro: O cinema no Brasil, até uns 15 anos atrás, era dividido em territórios. O primeiro território era São Paulo, o segundo, o Rio de Janeiro, e o terceiro estava no interior de São Paulo, comandado por  Ribeirão Preto. Aqui, tínhamos figuras importantes como Hilton Figueiredo e Oswaldo Gabriel Sampaio. O Hilton, por exemplo, comandava cinemas até em Imperatriz, no Maranhão. Era uma época em que Ribeirão tinha grande importância na distribuição cinematográfica. Tínhamos escritórios de distribuidoras como Warner, Paramount, Universal e Embrafilme.

Além disso, a região tem nomes importantes que estão ligados profundamente à história do cinema: Fernando Meirelles, por exemplo, é daqui, assim como os irmãos Gullane, de São Simão. Tivemos também Lourenço Sant'Anna, Guilherme Almeida Prado e a Luiza Shelling Tubaldini, que hoje é uma das maiores produtoras de cinema do Brasil.

FIC-RP: Voltando um pouco no tempo, como foi o início da sua carreira no cinema?

Edgard Castro: Eu me formei em Direito aqui na Unaerp, mas depois de formado acabei indo morar na Inglaterra. De lá fui para Itália para rever o amigo e diretor, Jirges Ristum. Acabei me envolvendo com a cena cinematográfica e me apaixonando por esse universo. Na volta ao Brasil, conheci algumas pessoas que estavam montando o AutoCine Aquarius aqui em Ribeirão, um cinema drive-in. Foi então que, junto com Renato Carrera Filho, tivemos a  ideia de fazer nosso primeiro filme:  “A Carne”, baseado no romance de Júlio Ribeiro, um livro proibido na época por conter cenas explícitas de sexo. 

FIC-RP: E como foi a produção desse filme?

Edgard Castro: "A Carne" foi um sucesso. Na época, o cinema brasileiro vivia o auge da pornochanchada, mas queríamos fazer algo diferente, mas sabíamos da importância de ter o erótico e sensual como chamariz de filme. O filme foi bem recebido e abriu portas para outros projetos. Depois dele, produzimos "Paranoia", que foi um filme que lançou Lucélia Santos, com Norma Bengell e Anselmo Duarte. Também fizemos "Bacalhau", uma sátira do filme Tubarão, que até o Spielberg mandou buscar uma cópia. E seguimos com "O Cortiço", entre vários outros curtas.

FIC-RP: Com toda essa experiência, como você vê o cenário do cinema brasileiro hoje, especialmente fora dos grandes centros?

Edgard Castro: Hoje, com o digital, a produção de cinema ficou muito mais acessível. É possível fazer filmes de qualidade até com um celular. O equipamento deixou de ser uma barreira, então, sim, dá para fazer cinema em qualquer lugar. 

FIC-RP: Na sua opinião, qual a importância da  realização de Festivais como o FIC-RP?

São muito importantes, porque muitos cineastas que estão por aí só são descobertos quando seus trabalhos são exibidos. E o festival tem justamente essa missão: descobrir novos talentos e promover essas produções menores.  

FIC-RP: Quais são, em sua opinião, os maiores desafios e oportunidades para o cinema brasileiro atualmente?

Edgard Castro: Temos dois tipos de cinema no Brasil hoje. O cinema empresarial, que conta histórias sobre o café, a história do cacau, dos indígenas, dos bandeirantes, que uma grande empresa pode industrializar e temos o cinema de oportunidade, que conta  o nosso "way of life", nosso modo de ser. O Brasil é um celeiro de histórias, com toda a sua diversidade cultural, da migração italiana, japonesa, alemã,etc. Cada segmento desse é uma oportunidade para o cinema contar histórias únicas.

FIC-RP: E como você se sente sendo homenageado no primeiro Festival Internacional de Cinema de Ribeirão Preto?

Edgard Castro: Para ser sincero, eu nem acho que mereço essa homenagem, mas fico muito honrado. O cinema é minha paixão. Estar aqui, vendo o cinema crescer na minha cidade natal, é uma felicidade imensa. O FIC é mais um passo importante para a gente continuar respirando cinema aqui.